quarta-feira, 9 de maio de 2012

O MÉDICO E O MONSTRO, DISSOCIAÇÃO DO ‘EU’ NO PERÍODO VITORIANO


Aldo Ferreira de Almeida  
Kárpio Márcio de Siqueira 

Resumo
O presente artigo tem como foco uma análise do perfil psicológico da obra “Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, numa perspectiva social e histórica, além do traço da estrutura da obra como gênero policial em diálogo com o maravilhoso e o fantástico. Nesse cenário, o texto discorre sobre as alegorias do autor para recorrer ao pensamento científico e as mazelas sociais que a sociedade vitoriana estava inserida, favorecendo um desenho de denúncia social.

Palavras chaves : O médico e o monstro, Robert Louis Stevenson, Período Vitoriano, Literatura Inglesa

Abstract
The present article aims to analyses the psychological aspect into the “Dr. Jekyll and Mr. Hyde, by Robert Louis Stevenson”, in a social and historic perspective, and also put in evidence the structure line of the his job as a mystery story in a dialogue with the wonderful and fantastic ones. In this scenery, the text flows over the author’s word allegories to come up to the scientific spirit and the social illness in which the Victorian’s society was in, making a social dilatation trace.

Key words : Dr. Jekyll and Mr. Hyde, Robert Louis Stevenson, Victorian’s time, English Literature 



Introdução

O Cenário Vitoriano contribuiu para grandes representações da sociedade da época ao favorecer de maneira implícita nas obras literárias produzidas um ar de criticidade e de descontentamento para com as políticas sociais daquele tempo. Nessa perspectiva, apresenta-se o estudo da obra “ Dr. Jekyll and Mr. Hyde, história ambientada num cenário de desigualdade social e de grandes avanços científicos, que permitem à obra um diálogo entre o emocional e o racional, o fantástico e o científico, a socialização e o instintivo, na tentativa de reforçar o tema ‘dualidade’ , não, apenas, nas ações do(s) seu(s) personagen(s), mas, também, no percurso textual e estilístico que demarca o enredo e o universo psicológico dos seus personagens. Esse desenho apresenta um estudo enveredado pelos aspectos estruturais, políticos, morais e psicológicos, numa uma análise marxista-freudiana com base em uma perspectiva frankfurtiana.   

O convite à obra

Eu estudei muitas drogas e químicas. Eu tomei drogas para controlar meu corpo e minha mente [...] eu experimentei muitas drogas. Eu quase me matei. Por último eu fiz a droga certa. Mas eu não tenho certeza. Eu tenho que experimentar. Talvez a droga possa me matar. Mas eu tenho que saber.  ( Stevenson, 2005, p.55) 

Para melhor entender a novela aqui estudada, torna-se necessário um breve resumo do texto para que assim possamos analisar as características que o integra a determinado gênero literário.
Quando sai em caminhada com seu primo Richard Enfield, a porta de um prédio traz uma lembrança ao parente de Utterson, que começa a narrar que certa noite quando caminhava pelas ruas de Londres ele se deparou com um sujeito estranho que pisoteou uma menina sem motivo aparente, capturado, ele é forçado a pagar 100 libras à família da menina para que não fosse entregue a polícia, o sujeito concorda e os leva, médico, pai da vítima e Enfield, até aquela porta que foi o motivo da sua rememoração, o estranho sujeito paga a dívida com 10 libras em dinheiro e um cheque com a assinatura de um homem distinto e integro daquela sociedade, o primo de Utterson duvida da legitimidade do documento, e resolve passar a noite com os outros personagens envolvidos até que os bancos abram, e assim possam verificar a validade do cheque. O sujeito desde o primeiro contato deixa uma impressão de estranheza e repulsa em Enfield que também é notada nas outras pessoas relacionadas a esse episódio.
A partir desse momento, um obstáculo ou mistério é estabelecido com a narrativa de Enfield ao personagem Utterson, que reforça essa característica através do testamento de Henry Jekyll, que tinha como favorecido uma pessoa desconhecida pelo seu ciclo de amigos, conhecido como, Mr. Hyde.
No penúltimo capitulo, na história do doutor Lanyon, este personagem relata em primeira pessoa, através de uma carta endereçada a Utterson, um estranho pedido feito por correspondência pelo seu amigo Jekyll, para que fosse a sua casa e pegasse uma gaveta contendo elementos químicos, uma ampola e caderno de anotações, para ser entregue a um homem que apareceria na sua residência em hora determinada. O sujeito chega no horário marcado, provocando em Lanyon um estranho mal-estar, e depois de precavê-lo quanto ao que veria, toma a formula, que surte um efeito de deformações e alterações físicas no indivíduo, transformando-o logo depois no doutor Jekyll.
Na última parte Henry Jekyll faz sua confissão e fala da impossibilidade de conciliar seu temperamento alegre e irrequieto com a sua vontade de ser respeitado e estimado pelos homens sábios da sociedade, isso faz com que o bom doutor, reprima esses impulsos ocultando assim, os seus prazeres, fazendo-o procurar uma formula que fosse capaz de separar o bem e o mau, e assim ficar livre de seus impulsos “maléficos”.

A obra e o seu tempo

Considerado um clássico da literatura inglesa do período que ficou conhecida como “era vitoriana”, devido ao nome da rainha Vitória (1837-1901) que ocupou o trono inglês na época, “o estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde” popularmente chamado de “O médico e o monstro”, de autoria de Robert Louis Stevenson (1850-1894), publicado em 1886, período marcado pelo predomínio econômico inglês, que contava com um crescimento industrial acentuado e uma marinha mercante poderosa.
A política inglesa da era vitoriana foi influenciada pelo liberalismo econômico e pela presença da burguesia industrial. O desenvolvimento científico, principalmente na área das ciências naturais, e a doutrina socialista de Karl Marx (1818-1883), fez desse período um efervescente campo de batalhas ideológicas, de um lado a burguesia ligada aos positivistas e darwinistas sociais com suas idéias deturpadas, adaptadas do evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882) e do positivismo de Auguste comte (1798-1857), e do outro o proletariado representado pelos marxistas e anarquistas. Pontua Blackstone,

É estranho que esse período da história inglesa, que nos inclinamos a imaginar como essencialmente burguês, respeitável e incolor, tenha produzido alguns dos melhores exemplos do macabro na literatura da Inglaterra.  ( 2004, P.14)
 
Outro aspecto importante dessa época é o moralismo puritano, que refletia a busca de uma identidade pela classe burguesa vitoriana que também via no consumo e na ostentação do seu poder, uma forma de consolidar a sua imagem diante da sociedade. Diferente da aristocracia, a burguesia emergente era desejosa de respeitabilidade e tradicionalismo e não raras às vezes, casamentos entre filhos de burgueses ricos e nobres de modestas posses ou até mesmo falidos eram negociados entre as duas famílias a fim de conseguirem um nome aristocrático em troca de uma vultosa ajuda financeira.

[...] Foi uma época de moralidade convencional, de grandes famílias em que o pai era uma espécie de chefe divino, e a mãe, uma criatura submissa como a Eva de Milton. A moralidade rígida, o caráter sagrado da vida em família eram devido em grande parte ao exemplo da própria rainha Vitória, e sua influência indireta sobre a literatura, assim como sobre a vida social, foi considerável. (Burguess, 2006, p. 215) 
Na literatura vitoriana alguns posicionamentos de crítica social e moral eram expostos por vários autores, como é o caso de Stevenson e Dickens. Sendo filho dessa realidade, Stevenson ao mesmo tempo que presenciava o desenvolvimento industrial e científico, também vivenciava o puritanismo moral da época. Elementos dessa realidade estão presentes em sua obra “O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, que aborda como tema principal o bem e o mal, em uma novela policial com aspectos psicológicos próprios da literatura fantástica. A destacar Silva,

Nenhuma outra obra mostra com mais perfeição os efeitos dessa hipocrisia da sociedade vitoriana do que The Strange Case of Dr,. Jekyll and Mr. Hyde, uma obra que prenunciou os horrores cometidos dois anos depois por Jack, o estripador. ( SILVA, 2005, p. 225)
O que demarca esse texto como uma dura crítica a moral da época, é o fato do autor colocar a repressão social como um dos motivos da dissociação de personalidade do personagem Dr. Jekyll, já que o mesmo não tinha coragem de vivenciar os seus desejos, pois eram recriminados pelos costumes da época, forçando-o por isso a procurar a fórmula que permitisse se “livrar” de seus pensamentos maldosos.  

Stevenson diferente de muitos escritores românticos reduz o aspecto sobrenatural ao utilizar recursos científicos como representantes da experiência de dissociação de personalidade do personagem Jekyll, já que a transformação só ocorre depois de tomar uma fórmula que ele desenvolveu em seu laboratório. Outro aspecto não menos importante é o núcleo moral, muito característico na obra desse autor, em que o bem e o mal, representado respectivamente por Jekyll e Hyde, se tornam o foco pelo qual a narrativa se desenrola.  

O enredo e o espaço do fantástico na estrutura do texto

 Há o bem e o mau em todos nós. O pensamento tem o lado sombrio e o lado da luz. Eu tentei separar estas duas partes da mente. Eu queria separar o sombrio, a parte má da minha mente da boa, a luz. Eu queria remover o mal de meus pensamentos. I queria ser completamente bom. E eu tive sucesso. Eu encontrei uma forma de separar o bem do mal.  ( Stevenson, 2005, p. 54) 

Antes de nos aprofundar no estudo social e psicológico do texto “O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, teremos que analisar a que gênero literário ele pertence. O que nos levara a identificar as características e peculiaridades desse livro de Stevenson, com base em estudos anteriores que levantaram sistematicamente um número limitado de obras para um estudo minucioso de determinadas ocorrências verificadas através de comparações que permitiram reconhecer e classificar certa quantidade de fenômenos como pertencentes a um gênero literário específico.
A narrativa está na terceira pessoa sendo que em alguns momentos o autor da à voz aos personagens, a ação ocorre na cidade de Londres. Stevenson inicia a obra apresentando as características do personagem Utterson, “Um vara-pau de aparência empoeirada (...)” de inclinações a ajudar pessoas que ele dizia invejar por causa da impetuosidade com que cometiam seus crimes, “sou propenso à heresia de Caim”, diz ele. Posteriormente o autor descreve outros personagens sendo que o misterioso Mr. Hyde é descrito em vários momentos do livro, mais precisamente quando os demais integrantes da trama entram em contato com ele. (o estranho, repugnante, etc.), outro método de caracterização do personagem Hyde, esta implícito em seu próprio nome, que esta relacionado à palavra hide = esconder, que o próprio Utterson faz um trocadilho com a palavra seek = procurar, no segundo capitulo do livro, “Se ele é o senhor Hyde (...) então eu serei o senhor Seek”.
 Os ambientes são fechados, quando o personagem Jekyll aparece no texto, ele sempre esta em sua casa, que simbolicamente representa a sua própria mente. O fato de Jekyll ter uma entrada em sua residência por onde transita Mr. Hyde é uma alusão ao seu subconsciente, lugar onde “habita” esta outra personalidade que se apossa do seu consciente quando toma uma fórmula elaborada pelo bom doutor com o intuito de separar esses dois opostos presentes em sua mente, que se manifestam por meio de uma transformação física, diferente deste texto de ficção, isto só ocorre no mundo real num estado interior.  
Uma sucessão de fatos aproxima Utterson, em seu impulso investigativo, desse estranho personagem, Mr. Hyde, que não apresenta características semelhantes com os monstros que os filmes retratam, ele não possui deformidades grotescas, apesar da insistente impressão de estranheza e repulsa causada nas pessoas que ele entra em contato, excetuando o Dr. Jekyll que nunca é visto junto dele, apesar, dos fatos indicarem uma intima relação entre os dois. 
Desta forma, vários acontecimentos levam a uma possível elucidação do mistério, todas elas vão se mostrando falsas ao longo da trama, que só é elucidada no final através das cartas já mencionadas, esta característica é própria de romances policiais.

[...] O romance policial de mistério, onde se procura descobrir a identidade do culpado, é construído da seguinte maneira: há por um lado muitas soluções fáceis, à primeira vista tentadoras, mas que se revelam falsas uma após outra; por outro lado, há uma solução inteiramente inverossímil, à qual só se chegara no fim, e que se revelará a única verdadeira [...] (Todorov, 2004, p. 55) 

No último capítulo Henry Jekyll faz sua confissão e fala da impossibilidade de conciliar seu temperamento alegre e irrequieto com a sua vontade de ser respeitado e estimado pelos homens sábios da sociedade, isso faz com que o bom doutor, reprima esses impulsos ocultando assim, os seus prazeres. Obcecado em seus estudos sobre a dualidade da alma, Henry Jekyll chega a pensar na possibilidade de uma fragmentação maior do indivíduo, mas deixa esta investigação para outros que viram depois dele. E prossegue narrando que foi do ponto de vista moral e a partir de sua própria pessoa que percebeu o dualismo do homem “(...) percebi que duas naturezas lutavam na minha consciência (...)”p.82.
Decidido a separar os dois elementos de sua alma, o bem e o mal, Jekyll dá inicio a sua experiência, fala de substâncias químicas capazes de, “rasgar e arrancar aquele revestimento de carne” (Stevenson, p.83), e resolve produzir uma fórmula capaz de realizar o seu intento. Quando a fórmula está pronta, ele hesita por um momento em tomá-la, pois não sabia as reações, mas vencendo o medo ele a toma e consegue um resultado que o agrada, adquirindo outra forma, podendo, então, sair e satisfazer suas vontades inibidas sem ser reconhecido. O mal moldara uma nova forma física para Jekyll, ele gosta das sensações maldosas potencializadas depois da transformação, o seu novo nome será Mr. Hyde...
A grande popularidade dessa história tornou o seu final previsível, sendo que não era a intenção do autor provocar tal efeito no público leitor da época, já que ele preserva a identidade do maléfico personagem e o clima de mistério durante quase toda a obra. No decorrer do livro, o mal-estar e a aversão das personagens que entram em contato com Mr. Hyde desperta um sentimento conhecido dentro do gênero fantástico como “unheimliche”, uma tradução possível para o português é “estranho”.

O estranho realiza, como se vê, uma só das condições do fantástico: a descrição de certas reações, em particular do medo; está ligado unicamente aos sentimentos das personagens e não a um acontecimento material que desafia a razão (...) (Todorov, 2004, p.53)

Nos capítulos finais a narrativa apresenta outra característica do gênero fantástico, a relação fronteiriça entre a realidade e o sobrenatural, manifesta quando o doutor Jekyll se transforma em Mr. Hyde, uma mutação física que desafia a realidade e a natureza, mas que o narrador tenta através do método científico minimizar a irrealidade do episódio.
Quanto aos aspectos que identificariam esta obra como novela policial, diz Todorov (2004, p.55), “(...) escreve-se aliás freqüentemente que as histórias policiais tomaram o lugar das histórias de fantasmas(...)”,  o que ele deixa claro, nesta observação, é a intrínseca relação entre esses diversos gêneros literários que, não raras as vezes, tomam emprestados elementos uns dos outros, como neste texto de Stevenson, que classifica-se como uma novela fantástica e policial.

Lápis social e o desenho psicológico

A sociedade inglesa da época de Stevenson era norteada por contradições sociais, enquanto poucos privilegiados gozavam de conforto e mordomias, a grande maioria vivia em completa miséria. A revolução tecnológica produzida pelo capitalismo acentuou as diferenças de classes, situação que se tornava mais evidente nas grandes cidades, lugar onde ficava as grandes indústrias que absorviam a mão de obra barata que vinha das zonas rurais a procura de melhores condições de vida. Burgess endossa,

A época vitoriana tinha um grande número de problemas a enfrentar. Sob vários aspectos, foi uma época de progresso – construção de estradas de ferro, navios a vapor, reformas de todos os tipos-, mas, foi também uma época de dúvida. Havia pobreza demais, injustiça demais, feiúra demais e muito pouca certeza sobre a fé ou a moral- tornou-se assim uma época de cruzados, reformadores e teóricos. (2005, p. 215)
Nesta configuração da sociedade do período vitoriano, duas novas classes se sobressaem, a burguesia e o proletariado, sendo que a primeira detinha o poder econômico e consequentemente os meios de comunicação necessários para a disseminação de uma ideologia que evoluíra com o mercado, a reforma protestante e os meios de produção.
Personagens como Jekyll, Utterson, Enfield, e Lanyon. Representam uma classe abastada no livro “o medico e o monstro”. Este grupo de amigos acima descritos foi formado por pessoas do mesmo sangue ou conhecidos de longas datas, palavras do advogado Utterson.  Personagens secundários como Poole, a menina pisoteada e seu pai, são pessoas de uma classe social inferior, excetuando Sir Danver, única pessoa assassinada por Hyde e um possível aristocrata. Esta divisão em classes sociais distintas denota sutilmente, o ambiente a qual Jekyll pertencia, uma posição respeitável na sociedade, que lhe custou à liberdade de satisfazer os seus desejos, tendo por isso que os esconder.
O puritanismo moral do período vitoriano não se restringe a Inglaterra, foi um fenômeno que se estendeu por vários países, inclusive americanos. Teóricos como Nietsche e Freud, teceram uma forte crítica a este homem moderno e sua moral burguesa hipócrita e doentia.

A partir de Nietsche e de Freud, o indivíduo deixa de ser concebido apenas como um trabalhador, um consumidor ou mesmo um cidadão, deixa de ser unicamente um ser social; ele se torna um ser de desejo, habitado por forças impessoais e linguagens, mas também um ser individual, privado. (...) (Touraine, 2002, p.139)
Na obra de Stevenson, “O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, O aspecto doentio do puritanismo da época entra em evidência através da vontade obsessiva do personagem Jekyll em criar a sua fórmula e, consequentemente, separar o bem e o mal que ele sentia digladiar-se em seu interior. A pontuar Borges,

[...]Há uma palavra psicológica muito comum, que  é a palavra “esquizofrenia”, a idéia da divisão da personalidade. Essa palavra ainda não tinha sido cunhada, creio eu. Agora é de uso comum. Stevenson se preocupou muito com esse tema. [...] porque lhe interessava muito a ética [...] esse tema de personalidade partida em dois interessou a Stevenson. ( 2002, P.382)
Levantando ainda a hipótese de uma maior fragmentação do indivíduo, a obra aqui analisada, prenunciou o que a psicanálise abordaria em muitos dos seus estudos sobre o inconsciente, e ao associar os aspectos morais como um dos motivadores da dissociação de personalidade, ela se aproximou das idéias de alguns teóricos da escola de Frankfurt, como Marcuse (1898-1979) e Erich Fromm(1900-1980).

[...] Rechaçada pela realidade externa ou mesmo incapaz de atingi-la, a força total do princípio de prazer não só sobrevive no inconsciente, mas também afeta, de múltiplas maneiras, a própria realidade que superou o principio de prazer. O retorno do reprimido compõe a história proibida e subterrânea da civilização. E a exploração dessa história revela não só o segredo do individuo, mas também o da civilização. (Marcuse, 1968, p. 30)
Outro aspecto psicológico abordado na obra é a associação ao simbólico, encontrado nos ambientes descritos no texto. O isolamento de Jekyll em sua casa, e a porta por onde transita Mr. Hyde, são alusões ao seu estado psicológico utilizadas pelo narrador para reforçar a condição de dissociação do personagem.  

Considerações finais

Entender o universo vitoriano é adentrar por um mundo de sutilezas literárias demarcadas pela moralidade exarcebada promovida pela própria rainha Vitória e pela igreja. Esse contexto ditou a literatura um alvorecer limitado, recheado de fronteiras de moral e religiosidade, logo o recorte social da obra apresenta um grito de insatisfação mediante os árduos esforços da época em projetar a burguesia, a nobreza e a igreja como representantes mor de um parâmetro de comportamento social.  A obra de Stevenson contradiz, então, todo o estereótipo social desenhado na época, e ainda prenuncia os estados psicológicos em personagens literários, elementos que na novela se tornam  mais evidentes pontuando um sobre salto até mesmo diante do próprio enredo. 



Referências

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BRAGA, Rubem (Coord). MORAES, Vinicius( Apres.); BLACKSTONE, B (Prefácio). Contos Ingleses. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
BURGESS, Anthony. Trad. Duda Machado. A Literatura Inglesa. Ática, 2005.
FROMM, Erich. Análise do Homem. 7. Ed. Zahar Editores, 1970
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, 2003
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Circulo do Livro S.A, 1992
PORTUGAL, Ana Maria. O Vidro da Palavra. Autentica editora, 2006
SILVA, Alexander Meireles da. Literatura Inglesa para Brasileiros. Editora Ciência Moderna. 2005.
STEVENSON, Robert Louis. Dr. Jekyll and Mr. Hyde. Macmillan, 2005.
__________. O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Newton Compton Brasil ltda. 1996
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. 3. Ed. Perspectiva 2008
TOURAINE, Alain. Critica da modernidade. 7. Ed. Editora Vozes, 2002
WELLEK,René e AUSTIN WARREN. Teoria da Literatura e Metodologia dos Estudos Literários. Martins Fontes, 2003.

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